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Djalma Barbosa de Lima, Nilson Genovesi e Marcelo Pardini, leiloeiros rurais de gerações diferentes, debatem os meandros da profissão

31/01/2023 - 16:15 | Atualizado em 10/02/2024 - 09:24

Um foi locutor de Rádio, no Paraná, ainda quando usava calças curtas. O outro começou a narrar corridas de cavalos, em São Vicente/SP, aos 14. E o terceiro passou a criar versinhos de rodeio, aos 09, mesmo morando na capital paulista. Desde a tenra idade Djalma Barbosa de Lima, Nilson Genovesi e Marcelo Pardini usam a voz como instrumento de trabalho. Hoje, eles são profissionais reconhecidos no mundo dos leilões rurais. A matéria em que eles debatem a profissão, apontando as convergências, as discordâncias e, sobretudo, a qualidade superior na prestação de serviço, publicada originalmente no Portal InfoHorse, veículo de Comunicação que esteve no ar entre 2012 e 2018, é reeditada, na íntegra, com exclusividade em Agro MP. Confira:

“Muito jovem, envolvi-me com o Radiojornalismo. Fui repórter, redator, narrador e apresentador. Mais tarde, tornei-me locutor de Publicidade e Propaganda. Tal bagagem me deu condição para contribuir com a implantação do leilão moderno no Brasil. O meu início se deu na empresa pioneira, a Programa, para mais tarde fundar a minha própria, a Djalma Leilões. Em 40 anos de história, participei dos momentos importantes do setor, desde quando Sérgio Piza decidiu pelo leilão sem preço mínimo, a realização do primeiro evento-show (no Hotel Maksoud, em São Paulo), o início dos pregões com lances pelo valor da prestação, a transmissão pela TV e, mais recentemente, pela internet – onde joguei a minha âncora, aguardando a aposentadoria”, conta Djalma Barbosa de Lima, um craque das vendas.

Fotomontagem / Fotos cedidas
Djalma Barbosa de Lima - retórica tipo exportação, do Brasil para Portugal

Falar em aposentadoria é algo que não lhe soa bem. Leiloeiro titular do Canal do Leilão, o que lhe credita, nos tempos atuais, como o decano dos leiloeiros em atividade, Djalma foi levado pelos portugueses, durante os anos de 1996 a 2012, para implantar o estilo de leiloar do Brasil na Europa. Ele também foi o presidente fundador da Associação Brasileira dos Leiloeiros Rurais, em duas gestões e, mais tarde, presidente do Sindicato Nacional dos Leiloeiros Rurais. “Lembro-me do início de minha carreira com nostalgia. Tudo começou na infância. Meu pai foi produtor de café no Paraná e sempre teve paixão pelos animais. Bom cavaleiro, ele me carregava para longas cavalgadas, o que rendeu o gosto que trago pelas coisas do campo". A título de passatempo, Djalma tem escrito textos bucólicos sobre essas passagens, em linguajar típico, publicando-os na página www.canaldoleilao.com.

“Com incentivo do meu pai, Nilsão Genovesi, que era narrador de corridas de cavalos, comecei a narrar os páreos no Jockey Club de São Vicente, em 1976. Lá, passei a fazer o jogo de apostas por leilão. Tendo apoio do Sr. Hernani Azevedo Silva, em 1981, iniciei os enfrenes no tradicional Jockey Club de São Paulo. Daí até começar nos leilões foi um pulinho. Eu era muito novo, tinha só 19 anos, e tive que me emancipar para trabalhar nos pregões de equinos. Em meu primeiro ano de martelo no hipódromo paulistano, recebi a visita dos donos da Programa Leilões à época, Sérgio Piza e Paulo Pimentel, que me convidaram para trabalhar com eles. Aceitei e fechamos 12 meses de exclusividade. De lá pra cá se passaram longos 35 anos… Tive uma carreira diversificada, com 5.000 leilões feitos no decorrer desse período. O que me orgulha não é a quantidade, mas a variedade, pois acredito que não haja uma raça sequer em que eu não tenha atuado”, conta Nilsinho Genovesi, um dos mais prestigiados leiloeiros do país.

Fotomontagem / Fotos cedidas
Nilson Genovesi - atuação em todas as raças, somando mais de 5.000 leilões

“Venho de uma família ligada ao meio rural. Em Botucatu/SP, os meus pais começaram a criar cavalos e gado de corte, no sítio Outeiro de São Raphael, onde foi construída a funcional estrutura do Haras MRM. O nefropediatra, Dr. João Tomás, meu pai, e a veterinária, Dra. Teresa Maria, minha mãe, sempre incentivaram a mim e aos meus irmãos, Mariana e Rafael, na prática dos esportes hípicos e nos cuidados para com os animais. Aos 14, com anuência deles, eu, meu irmão e um primo (Guilherme Bartholomeu) começamos a comprar bezerros de leite dos fazendeiros vizinhos e iniciamos a nossa pequena criação. Nesse tempo eu passei a imitar os locutores de rodeio, haja vista que íamos frequentemente às festas do peão, que ocorriam juntamente às provas equestres das quais participávamos com os nossos cavalos das raças Appaloosa e Quarto de Milha. Mais tarde, tornei-me locutor de provas e rodeios, atuando profissionalmente dos 15 aos 21 anos de idade, sob o pseudônimo Marcelinho Paulista. Após concluir o curso de Jornalismo e ingressar na pós-graduação em Marketing e Comunicação Publicitária, em São Paulo, iniciei os trabalhos como leiloeiro, na Djalma Leilões, com apoio irrestrito do experiente Djalma Barbosa de Lima”, conta Marcelo Pardini, um dos talentos da nova geração.

João Gabriel
Marcelo Pardini - já nasceu pronto, sendo o expoente da nova geração

Como toda profissão, a atividade passa por transformações. Segundo Djalma, os leilões no Brasil podem ser divididos em três momentos. “Primeiro, o início, quando Sérgio Piza, Paulo Pimentel e João Sampaio, os fundadores da Programa, em 1975, contrataram os leiloeiros gaúchos Trajano Silva e Pinheiro Machado. Rapidamente também nos trouxeram para o ofício – eu e o Odemar Costa, que oriundos do Rádio, de forma natural, acabamos mudando a cadência da narrativa, caindo no agrado dos novos usuários paulistas. Em seguida, vieram os leilões-shows, ou seja, com as vendas nos principais hotéis e nas grandes casas de espetáculos dos centros urbanos. Nesta época, já nos idos dos anos 90, chegamos a realizar leilões milionários, como os de Orpheu José da Costa, Nagib Audi e Afonso Archilla Galan, dentre tantos outros notáveis, com vultosas movimentações financeiras balizadas pelo dólar. Posteriormente, vieram os pregões pela TV. Com o advento dos canais de televisão especializados no Agronegócio, a solução em comodidade imperou, eliminando os custos com buffet, montagem, deslocamento dos animais… Os primeiros, chamados virtuais, apresentaram lotes de baixa qualidade, algo que rapidamente foi corrigido, passando a vender o que os criadores tinham de melhor, tendo como diferencial a maior visibilidade, o encurtamento das distâncias, permitindo a um vendedor do Paraná comercializar, em fração de minutos, o seu produto a um investidor lá de Rondônia”, relata Djalma, que participou de todas essas fases.

Com a popularização da internet, já nos anos 2000, Djalma criou o já citado Canal do Leilão, veículo de Comunicação especializado na transmissão de leilões pela web. “O site foi reformulado recentemente. Aposto 100% nele, tanto é, que em 2015 realizamos o maior leilão de cavalos Brasileiro de Hipismo já feito exclusivamente pela internet, com faturamento superior a R$ 2 milhões”, diz o experiente leiloeiro, que segue sempre se reinventando.

Com a ampla utilização das redes sociais e dos grupos criados em aplicativos de mensagens, o leilão rural passa por mais uma mudança, a quarta, a qual Pardini denomina "Fase de Adequação". O jovem profissional pondera: "ainda estamos tateando o que as tecnologias trarão de benefício e até de prejuízo à atividade. O fato é que toda a cadeia tem que se adequar ao presente cenário sócio-político-econômico do país". O processo de desenvolvimento de novos produtos começa com a busca de ideias e as maiores oportunidades são encontradas quando se descobre as necessidades não satisfeitas dos clientes aliadas às inovações tecnológicas. "Como sempre digo: o Agronegócio é o Brasil que dá certo. Precisamos ser otimistas. Com trabalho sério, esmero e amor, tenho plena convicção de que o meio rural sempre sobreporá as mazelas, e o leilão seguirá firme e forte".

A figura do leiloeiro rural perdeu força quando a turma do martelo repassou suas atribuições à empresa leiloeira e, mais recentemente, ao assessor. “Isso não é culpa só da nova geração, que chega ávida para ganhar terreno e, às vezes, sujeita-se à condições de trabalho inconvenientes”, diz Nilsinho. “Os mais experientes também falharam, pois não souberam se impôr nos momentos de bonança. Então, a forma de o leiloeiro resgatar a sua identidade é sendo o dono do próprio negócio. Felizmente, aqueles que mantiveram a autonomia em alguns mercados, e me incluo nisso, têm o respeito das empresas, não ficando a mercê de variações conforme a conveniência de momento”.

Nilson Genovesi também comenta sobre as atuais transformações: "há inúmeros cortes sendo feitos pelos organizadores dos leilões, o que é natural em momentos de crise, mas que pode ser ruim no longo prazo, haja vista que, sob vários aspectos, perde-se a qualidade. Neste sentido, o que tenho observado é que os leiloeiros, evidentemente os mais capacitados, terão que estruturar as próprias empresas, algo que realmente nunca quis. Um exemplo disso é o Lourenço Campo, titular da Central Leilões, que hoje é um dos maiores vendedores de touros do país. Inclusive, com todo mérito, ele lançou o próprio filho, João Campo, como leiloeiro”. Nilsinho condena com veemência o amplo parcelamento que hoje é praticado, indo até a 72 vezes em alguns leilões. “Isso é totalmente nocivo ao mercado. Tenho passado aos meus contratantes que preconizo uma forma de pagamento enxuta, ou seja, sem a ilusão de parcelas duplas ou triplas, este agrupamento exagerado”. Para finalizar, ele faz questão de destacar a importância do trabalho do Sindicato Nacional dos Leiloeiros Rurais (SNLR) em prol da classe. “Desde 1984, a entidade procura nivelar o mercado por cima, uma vez que em seu quadro estão os profissionais mais gabaritados, experientes e que efetivamente atuam nos leilões. Ao longo de sua história, o SNLR promoveu encontros para discutir os meandros da profissão, dando atenção especial aos aspectos éticos, técnicos e profissionais”.

Lima, Genovesi e Pardini concordam que os valores ético-morais são os pilares da profissão, fazendo com que o mercado se autorregule. “Segundo a Lei 4.021/61, o leilão rural tem como obrigatoriedade ser conduzido pela figura do leiloeiro. Hoje em dia, alguns sites e até mesmo grupos de aplicativos de mensagens promovem remates de maneira ilegal. Além do aspecto jurídico, tais iniciativas cometem infrações sob o ponto de vista moral”, alerta Pardini. “O leiloeiro, devidamente credenciado, é quem regula e confere legitimidade ao leilão, trazendo o seu conhecimento e a sua capacidade técnica para transmitir informações precisas e confiáveis”, reforça Nilson. “Todas as formas de leilão, incluindo as modernas, demandam a presença do leiloeiro”, sentencia Djalma. Gerações, histórias e carreiras distintas, mas, acima de tudo, com a mesma convicção: qualidade superior. “Independentemente de os avanços tecnológicos e das crises financeiras, acreditamos que a competência sempre prevalecerá”, falam em uníssono os três leiloeiros rurais.